Texto: Kah Marques
Hoje eu li um texto em que o autor falava sobre como gostaria que fosse o seu último dia. Confesso que me emocionei e parei para pensar como gostaria que fosse o meu último dia, se assim eu pudesse escrevê-lo.
Gostaria que como de rotina eu acordasse na minha cama, com a janela aberta e sem cortina e vendo um pedacinho do céu, eu pudesse agradecer por mais um dia ou o último dia de vida.
E que ao virar para o lado eu desse de cara com o amor da minha vida. E tocasse pela última vez a sua pele, vendo as linhas do tempo em seu rosto, decorrentes de histórias e de momentos compartilhados. E ao tocar a sua face, eu me emocionasse por lembrar de tantas histórias ao seu lado. Me recordasse das aventuras vividas, dos pores do sol ao seu lado, das contagens das estrelas ao relento. Revivesse os puxares de coberta pela noite e das reclamações no meu ouvido por eu ser tão espaçosa ao dormir. Eu daria um beijo demorado em sua testa em sinal de respeito e agradecimento por cada dia, cada sorriso, cada lágrima e cada conquista. Eu sentiria seus lábios e como quem quisesse parar o tempo, ali me demoraria na eternidade ou na brevidade daquele momento.
Desceria da cama descalça e sentiria o chão gelado e ao chegar na sala daria de cara com o meu cachorro e com aquele olhar que sempre trocamos, ali eu pudesse ter a certeza de que eu não dei anos a sua vida, mas sim vida a seus anos. Me abaixaria e daria um forte abraço, não como despedida, mas como um até breve, talvez em outra vida.
E ao sentar-se no meu sofá como de costume e ao olhar tudo ao meu redor: a rede, os quadros e as paredes, eu tivesse a certeza de que ali eu deixaria um pouco de mim. Pegaria meu telefone e faria algumas ligações, algumas as mesmas de todos os dias: Oi, mãe! Tudo bem? Tudo e você? Essas que as nossas falas de tão iguais, saem juntas e terminaria com um Eu te amo, como sempre. Nada de anormal, só gostaria o mais do mesmo. Mandaria mensagens para algumas amigas, as mesmas de todo dia e algumas distantes em que mesmo com o tempo, sempre se fizeram presentes. Mandaria as figurinhas do WhatsApp e os Memes do Instagram, riria um pouco da vida, fofocaria um bocadinho e terminaria com um: Vamos marcar um café, um vinho, uma água sei lá. E talvez a gente saia e talvez não.
Como sempre, não gostaria da previsibilidade das coisas.
Gostaria que tivesse sol e depois chuva. Queria sentir pela última vez o calor do sol e o refrescar do vento. Sentar-se-ia descalça na pracinha e tomaria um banho de chuva com o meu filho ou filha, biológico ou não. Olharia para ele ou ela, eles ou elas e teria a certeza de que a história continuaria a ser contada por ele ou eles. Sentiria o entrelaçar dos dedos, o toque do cabelo, o cheiro no pescoço. Apenas sentir. Queria olhar e ver aquele sorriso que vai desde os olhos até a boca. Ver a roupa encharcada de água e os pés pisando nas poças do chão e a felicidade de quem sempre soube de que não era preciso muito para ser feliz. E naquele abraço bem demorado dos meus filhos e meu amado, ouvindo pela última vez ser chamada de Mãe e Amor, ali eu descansasse.
Eu só queria olhar para a minha vida e ter certeza de que ela valeu a pena ser vivida.
Sim, meu último dia, eu gostaria que fosse como um dia qualquer. Até porque é em um dia qualquer que tudo acontece.
Amei o texto, a previsibilidade das coisas é que tira seus encantos!
Texto maravilhoso!!! A gente encontra a felicidade nas coisas mais simples da vida ....